Eduardo Kobra falou ao Drugstore Kishô: Mil faces de um homem mural

E, deu certo. Esse esforçado bloguinho, tão novo, pequenino e já perseguido – por motivos sinistros não é possível compartilhar diretamente os posts via Instagram e Facebook – conseguiu umas respostas da importância e do tamanho das obras desse cara: Eduardo Kobra.

O paulistano nascido na periferia da zona sul esteve por estas bandas, Mato Grosso do Sul, para deixar a sua marca em Coxim. Cidade com ares pantaneiras, a 217 km de Campo Grande, que foi palco da homenagem do Kobra. Que pintou Zacarias Mourão, o tiozinho do Meu Pé de Cedro. Se não entendeu, nada, aproveita e vai pesquisar.

Aliás, conhecimento foi a base do que o ícone do muralismo brasileiro disse ao Drugstore Kishô. Obviamente, repetiu várias vezes tal qual um mantra. As questões sobre seu início na carreira, lá no fim dos anos 80, até a pluralidade cultural – que vai do hip-hop, cita John Coltrane e desagua em Luan Santana, sul-mato-grossense que também ajudou o cidadão do mundo de 45 anos a cair aqui no mundão de Mato Grosso do Sul; e mais.

Tal qual um desenho, uma pintura, o artista risca, rabisca, “apaga”, risca de novo suas opiniões, suas posições – será este o preço que elas “Kobram?”. Este que escreve optou por deixar praticamente na íntegra os áudios, que se traduziram em idas e vindas no pensamento, não textaços e, sim, gigantescos murais com muito, mas muito conteúdo mesmo.

Situação do país, umas ideias de incentivo para quem deseja trilhar um caminho inspirado por Eduardo Kobra, está tudo aí para quem quiser chegar. Meu, vergonha nenhuma de dizer que emocionei em vários trechos.

Um agradecimento especial ao Airton Gontow, que fez esta ponte DK-EK. Assessor, comunicador, que fez ser muito viável a entrevista dada no dia 10 deste mês, uma quinta-feira, sem se importar com o tamanho do blog. Infelizmente, muitos nomes da cultura regional ou nacional que estão longe do conhecimento e do reconhecimento que tem o muralista são e optam por serem blindados de tal forma que afasta o artista do povo. Das ruas, como bem cita Kobra. Valeu, muito, mesmo.

Finda esta entrevista de perguntas curtas e respostas gigantes com a indagação de qual para onde Kobra vai? Dois mil e vinte não foi um mar de rosas. Faz nove meses que perdeu a filha, ainda junta com a pandemia, é osso.

Porém, disse ao Airton, que fez o meio de campo até chegar as questões, e repito aqui. A entrevista-depoimento de Kobra foi de uma positividade, que galera a milhão precisa ler por aqui e ver por meio de sua arte. “Está bem?! Muito obrigado pela oportunidade. Um abraço”, disse ao fim da última resposta.

Eu que agradeço, Kobra. Foi mal, empolguei. Segue aí. Tal qual as obras dele, se preferir pode apreciar por partes, são cerca de 15 minutos transformados em umas duas mil palavras. Ou, devore tudo de uma vez. E, faça da sua mente uma tela, uma parede, um muro, uma construção aberta... sem limites.

1- Desde 1995, quando criou o seu estúdio, até hoje são 25 anos. O que mudou em você e sua relação com o Brasil e o mundo de lá para cá?

Eu comecei mesmo em 1987. Tenho registro das minhas primeiras manifestações artísticas em 1987. Em 90, já estava mais envolvido com a questão do grafite. Em 93, fui convidado pelo Playcenter (nota do DK: o local foi um icônico e gigantesco parque de diversões que teve seu fim em 2012 - e, posso dizer, era década de 80 e eu fui!) para fazer toda a parte decorativa através da arte, pintar os equipamentos, os brinquedos e tudo o mais.

Sempre continuei pintando, correndo atrás dos meus objetivos, dos meus sonhos, evoluindo o meu trabalho. São mais de 30 anos, este percurso de quando comecei. Claro que, entre 93 e 95, por conta de uma demanda grande de obras por conta do Playcenter, fui obrigado a criar uma estrutura um pouco mais organizada. Ou seja, pessoas que me ajudavam na parte de divulgação, na parte de logística, de equipamentos, de produção. Porque para chegar no mural, existe um percurso muito longo a ser percorrido.

Hoje, costumo dizer que pintar é a parte mais fácil, mais simples. O difícil mesmo é organizar tudo, ter todas as autorizações, as permissões necessárias. Dito isso, dois meninos continuam comigo há alguns anos, o Agnaldo (se der pegar o sobrenome) e o Marcos.

A questão e a relação do meu trabalho com as cidades se deu inicialmente na periferia, nas comunidades mais carentes, depois comecei a expandir para outros bairros da cidade de São Paulo. E aí, com o desenvolvimento do meu trabalho, comecei a ser convidado para pintar no mundo todo.

Então essa possibilidade de estar em diversos países, conhecer diversas culturas, e levar minha obra para tantos lugares importantes, relevantes, para mim é um aprendizado completo e sempre, eterno. O contato com outros artistas, este intercâmbio também enriquece muito o meu trabalho.

Poder ter visitado possivelmente os maiores museus do mundo, as principais galerias, ateliês de artistas, enaltece demais a minha arte. Poder ter visto a arquitetura, os povos, a culturas, as diferentes religiões .Poder estar em lugares de milionários, mas também poder estar em lugares muito simples, muito carentes, tudo isso enobrece demais a questão do conhecimento que acaba passando para o meu trabalho de alguma forma. Então, a minha relação é de eterna aprendizagem e estar sempre pensando em transportar este conhecimento para a minha obra através do que eu percebo e criar temas que eu vejo: da desigualdade, da violência, do racismo, da intolerância. Tudo que tenho visto de bom e ruim acaba sendo reflexo na minha obra.


2 - Vi que você e o cantor Luan Santana trocaram ideias e elogios mútuos, e no começo das suas ideias, ainda pichador, depois grafiteiro, seu mundo era baseado no hip-hop. Você sempre foi aberto a outros estilos, seja na música quanto na arte em geral? O que você ouve, vê e lê atualmente?

Uma questão importante a ser considerada é que eu sou um livro aberto, em branco. Até por ser autodidata, sou como uma esponja, sempre absorvendo, sempre aberto a aprender, a conhecer, a novas oportunidades.

É claro que tenho meus caminhos pessoais, os meus hábitos, os meus gostos musicais, que vão obviamente do hip-hop a John Coltrane. Então eu ouço um pouco de jazz, de música gospel, música erudita, mas acho que quando estive em Chicago, por exemplo, pude estar em lugares onde o Chicago Blues gravou, fiz murais sobre o Muddy Waters, Bob Dylan, tanta gente...o clube dos 27, onde estava lá o Jimmy Hendrix, Janis Joplin… mas também fiz trabalhos sobre o Tupac (Shakur), Notorius BIG… obviamente que meu universo são as ruas, street...estive em New Orleans, onde fiz um painel sobre o Louis Armstrong, tudo isso para mim é muito importante.


O conhecimento, ele enriquece demais. E, obviamente em prol dos objetivos, unir forças, conhecimentos, nunca é demais. Ninguém se destaca por acaso na sua área de atuação. Isso é fruto de muita dedicação, de muito conhecimento, de muita pesquisa, muito trabalho, e com certeza é o caso do Luan Santana, que está há tantos anos com seu trabalho em destaque, tem um público ativo, muito importante. Obviamente, nós estamos encontrando muitos pontos em comum, isso é muito relevante para mim. Um deles é justamente a questão da preservação da natureza, do meio ambiente, dos animais. Por mais que a gente venha de universos tão distintos, por que não nos unirmos em prol desse objetivo que é global. Que é pertinente, importante para toda a civilização, para toda a humanidade.

Então, estou muito feliz em poder ter esse apoio dentro desse projeto de proteção dos animais, que é um projeto que eu já tenho, chamado Green Pincel. Unir as forças nunca é demais. Sabe, combate à fome, pobreza, desigualdade social, meio ambiente, proteção dos animais, nunca é demais.

Tudo que for colocado num funil e no final foi destinado para essas causas é realmente muito bem vindo. E todo talento tem que ser admirado, contemplado.

Outros pontos em comum também é a valorização da cultura popular, a cultura regional. Tantas figuras que influenciaram gerações como é o caso do Zacarias Mourão. Acho que é importante tudo isso, que move as pessoas e traz conhecimento. Nós temos que valorizar o que é nosso, o que é brasileiro, o que nasceu aqui, valorizar o nosso país, a nossa cultura, a nossa literatura. O que é feito no Brasil tem de ser cuidado com todo o carinho, tem que ser enaltecido sempre. As crianças nas escolas têm que aprender sobre esses brasileiros relevantes, importantes, que trouxeram e doaram suas vidas em prol da cultura e do conhecimento.

3 - A atual situação do país – no release você cita as queimadas no Pantanal por exemplo -, pandemia, brigas políticas e por causa de política, religiosas, crise econômica, etc. Neste contexto, você acha que o artista precisa se posicionar?

Não necessariamente. Eu, por exemplo, escolhi a arte pela liberdade que isso proporciona. Não devo satisfação para ninguém. Acho que os artistas também, cada um faz aquilo que quer, que acha melhor para si. Usa seu dom, seu talento em prol dos objetivos que acredita. A arte que está na rua é da mesma forma que está na galeria.

Muitos artistas tem mensagens fortes, marcantes, dentro de contextos, temáticas, histórias marcantes. Outros fazem simplesmente pelo dinheiro, outros por uma questão estética. Tem muita coisa envolvida, muita coisa por trás, é difícil julgar porque tem tantas histórias, não sabemos a motivação de cada um, o porque cada um faz o que faz.

Eu, particularmente, gosto muito de falar sobre o que eu vivi, que eu vejo, sobre a minha infância, sobre questões de violência, contra tudo isso, racismo, por isso faço murais de Luther King, de Mandela. Pessoas que lutaram por essas causas de desigualdade social como Irmã Dulce, Madre Teresa de Calcutá, com centenas de hospitais.

Acho que a gente pode modificar o mundo e essas pessoas mostraram que isto é possível e eu quero continuar com o meu trabalho desta forma. Não só com mensagens, mas também com propósitos. Tenho feito trabalhos também, leiloando essas peças para ajudar moradores de rua por exemplo. Estou agora com um projeto da criação de um instituto. Mas, é o que eu sou. Sou movido por isso. Quando vejo uma queimada, alguém maltratando um animal ou usando o animal para puro entretenimento, colocando num rodeio, ou numa tourada, ou num parque para puro entretenimento eu me sinto super ofendido com isso, e eu quero protestar. E eu utilizo os muros também com este objetivo, sabe?!

Também para falar da história, da memória, a cada momento me manifesto de uma forma diferente, mas isso é porque sou assim, sou hiperativo, e sou até um pouco tímido. Gosto de me comunicar, me expressar através da pintura.

4 - Para aquele moleque, aquela garota que vê trabalhos como o seu e se inspira em um dia se enveredar pelo muralismo, teria alguma dica para dar? Ainda mais em um estado longe dos grandes centros como é Mato Grosso do Sul?

Com toda sinceridade, o Mato Grosso do Sul, pelo pouco tempo que eu tenho passado aqui, eu pude conhecer alguns artistas que vieram até aqui, percebi uma diferença. Todos eles me trataram tão bem, com tanto cuidado, sabe?! Muitos comentaram que me seguiam em redes sociais, conheciam meu trabalho, estavam felizes por eu estar por aqui. Fiquei tão agradecido por isso. Em nenhum momento alguém se posicionou contrário, ou dizendo, “por que chamou você, que é paulistano e não um artista daqui para pintar”. Não houve este tipo de comentário. Acho que é um povo calmo, tranquilo, e privilegiadíssimo.

Ninguém aguenta mais viver nas cidades grandes, ninguém aguenta mais o trânsito, o stress, a poluição, está todo mundo querendo o que aqui tem em abundância. Natureza, os animais, estava pintando aqui (em Coxim), tinham araras canindés aqui a todo momento, isso é um espetáculo! A natureza é um espetáculo, né?!

Se eu puder realmente colocar o meu trabalho á disposição desta conscientização cada vez maior da preservação de tudo isso… acho que o povo do Mato Grosso do Sul é um povo rico, milionário, não só de cultura, mas também pelo lugar onde vivem. Isso é realmente uma benção de deus.

Meu trabalho não é diferente, se for para falar qualquer coisa para alguém que tem visto a minha obra e se inspira ou de alguma forma gosta do que eu tenho feito é um trabalho que dedica esforço, pesquisa, muitas vezes é um trabalho duro, embaixo de sol, de frio, de chuva, mas tem que continuar sempre seguindo em frente. Quanto mais conhecimento adquirir, melhor a obra vai ficar, sem dúvida.

Hoje, com a globalização, não é necessário você ir para Nova Iorque para ser reconhecido. Você pode pintar no bairro que você nasceu, começar de uma forma mais simples, sabe?! Mas com muita seriedade, assim como em qualquer profissão. Um dia o reconhecimento aparece.

Pergunta bônus - Só para confirmar, de Coxim qual será o próximo destino?

O futuro a Deus pertence, existe essa frase (risos) e eu acredito muito nela. Mas, no que depender de mim, enquanto eu tiver forças eu vou continuar subindo as minhas escadas, vou continuar pintando, passei por um momento muito triste este ano, perdi uma filha (em 13 de março Catarina morreu logo após o parto)… um pouco ansioso com essa pandemia toda e tal. Então, estou começando a sair de novo agora para pintar.

Tenho muitos convites internacionais. Tem um painel na frente do World Trade Center, em Nova Iorque, tem uma estação de trem famosa em Paris. Muitos (convites) nacionais também. São muitos trabalhos, é até difícil enumerar. Dou graças a Deus por isso, porque realmente recebi mais de 40 convites internacionais nos últimos dois anos e estou avaliando cada um deles para saber o que foi possível ou não. Mas, uma coisa que estou muito empenhado é na criação do meu instituto, que vai ser o instituto Kobra, e através deste instituto eu vou dar justamente a possibilidade de fazer a conexão entre empresas que querem ajudar e a gente que quer mudar vidas através da arte, da informação, da cultura, de diversas manifestações artísticas e de valores pessoais também.

Mostrar que, realmente, o mundo do crime não vale a pena, das drogas, do álcool. (Mostrar) valores familiares, acho que tudo isso é muito relevante e é isso que quero fazer daqui para frente.

Está bem?! Muito obrigado pela oportunidade. Um abraço.

Um pouco mais sobre Kobra nestes links

Carlos Eduardo Fernandes Leo nasceu em 1975 no Jardim Martinica, bairro da periferia da zona sul paulistana.https://www.vivadecora.com.br/pro/curiosidades/eduardo-kobra/

Filha de Eduardo Kobra morre dez horas após o nascimento - https://revistaquem.globo.com/QUEM-News/noticia/2020/03/filha-de-eduardo-kobra-morre-dez-horas-apos-o-nascimento.html


Menção honrosa

Baita jornalista, Rubens Valente, muito mais certeiro que… ah, leia abaixo. 



Menção (nada) honrosa

Enquanto isso em Campo Grande...Esgotamento na pandemia afasta 13 profissionais da saúde por mês da Santa Casa. Leia aí no https://www.midiamax.com.br/cotidiano/2020/esgotamento-na-pandemia-afasta-13-profissionais-da-saude-por-mes-da-santa-casa


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Abraço, se cuide. De máscaras, por favor.

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