Universidades sofrem é com cortes, não com cotas


Meu, tenho muito orgulho de ter estudado em uma universidade pública. No caso, a UFMS, aqui em Campão-MS. Acho que já disse isso. Sou daqueles privilegiados que viu os pais ralarem muito para a gente ter uma educação de qualidade. Consegui formar. Outra “raridade”. Muita gente tem de abandonar por ene motivos.

Mais ou menos duas décadas já se passaram desde que peguei meu diploma. Nos tempos de hoje muitos duvidam da necessidade de ter um ensino superior. A tecnologia e outras coisas mudam e vão transformar muito o mercado de trabalho. Enquanto isso, por aqui, sigamos na roça.

Por outro lado, espero que as faculdades continuem como uma baita opção. De preferência, pública, para o público. Óbvio, as universidades têm problemas. Não à toa, o campus receber o nome de “cidade”. Universitária. Deste modo, é preciso acompanhar a roda da história. Com muito debate, com olho no futuro, inclusive no modo de gerir. Mais conhecimento, menos lucro. Sem perder a essência, jamais.

É ruim ver como muitos vociferam contra e a favor de situações como o sistema de cotas (eu sou a favor), e ignoram o que o governo federal está a fazer com as universidades. Sei lá, o pessoal faz um esforço danado para ver o filho, a filha, virar um estudante universitário, e deixa para lá o que está a acontecer com o local que servirá de estudo, fará parte da vida do seu rebento por quatro, cinco anos, ou mais.

Caso passe do jeito que está, o orçamento 2021 apresentado pelo poder federal, o Ministério da Educação sofrerá um contingenciamento monstro: R$ 2,7 bilhões, quase um terço de tudo que o governo pretende bloquear por meio dos cortes.

Em relação ao ano passado, uma tesourada de 18%. Segundo os reitores, a redução vai afetar pacas. Pode fazer parar as universidades e instituições de ensino públicas até o fim do ano. Algumas, se bobear, não terá como se sustentar depois de junho.

Isto porque 2020 já foi osso para os gloriosos locais que concentram os principais cérebros brasileiros que produzem pesquisa neste país: 13,8 %. Boa parte delas perigam não conseguir funcionar normalmente até o meio do ano

“Ah, mas o salário dos professores tá fora deste corte, larga de chororô”. É verdade, os cortes pretendidos por Guedes e cia se referem a gastos discricionários. O que é isto? São recursos sob a governança dos gestores. Verba para pagar água, luz, internet, insumos básicos, e outras coisas.

“É o oxigênio para que a universidade siga trabalhando”, disse Edward Madureira, reitor da federal de Goiás e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), como quem desenha para os que não estão a fim de aprender do jeito certo. Tá lá no podcast O Assunto, da Renata Lo Prete. Aliás, colei muita coisa daqui de lá.

E olha que todo esse dinheiro curto vai ficar ainda mais escasso quando as aulas voltarem de forma presencial. Imagine uma redução de quase 60% em sete anos no repasse para administrar uma universidade. Taí o caso da UFRJ (Rio de Janeiro), que sofre ameaça de suspensão de energia.

“Ah, mas tem de cortar mesmo. Gasta muito dinheiro e nunca vi nada de bom para a sociedade que veio destas universidades”. Olha, geralmente, este pensamento simplório vem de quem não morre de amores pela educação.

Sabe a COVID-19? Então, hoje há 17 projetos de vacinas nas UFs e instituições públicas de pesquisa. Fora, os hospitais universitários, e as pesquisas que vão desde projetos que ajudam o social até a natureza, e, sim, economia.

Puxa, só fazer um esforço para ver que os países de ponta investem muito, mas muito, no ensino superior. Aliás, em todos os períodos da educação, mas deixa para lá, outra hora a gente fala mais disso.

E, no Brasil? Tem muita gente boa que arrumou as malar e foi lecionar e/ou pesquisar no exterior por meio de convite de universidades gringas. Cara, não, não é porquê são deslumbrados, ou querem arrotar que são bons demais para o país cujo autoridade falsifica diploma, tese e tal.

É porque o pessoal paga pouco. Uma bolsa para um pesquisador com doutorado, na média, não chega a cinco salários mínimos. Detalhe: por lei, o bolsista não pode ter outra fonte de renda. É osso...

O que tá ruim pode ficar pior, a previsão é de que, mais um exemplo, o número de bolsas oferecida pela Capes caia pela metade. Opa, se tu não sabes, Capes significa Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. 

É ligado ao MEC, é um dos principais instrumentos de fomento para pesquisa ao lado do mais conhecido CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Esta, uma agência governamental, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI). Bom, nem preciso dizer que a coisa anda ruim por lá também, com todo respeito ao astronauta responsável pela pasta. Quase uma figura decorativa, mais conhecida por ter feito propaganda do travesseiro N.A.S.A, do que pelos seus feitos no governo Bolsonaro.

“Ah, mas nas universidades públicas só passa gente com grana”. Duas coisas. A primeira, daí é uma coisa bem mais complexa e envolve um problema estrutural social e econômico que vem de muito tempo. Rola uma discussão bacana mais para frente, quem sabe.

Segundo, não é bem assim. Pelo menos nos dias de hoje. Segundo o pessoal do Andifes, 25% dos alunos vem de família cuja renda per capita é inferior a meio salário. Outros 50%, até um salário e meio.

Então, em uma conta por cima, podemos dizer que de cada 100 cidadãos que adentram ou adentravam nas salas de aulas das universidades, 75 fazem uso de algum tipo de assistência estudantil, que inclui uma bolsa moradia, etc. Ou seja, o tal corte discricionário vai agir como discriminador e levar estudantes a evadirem das faculdades. “Muitos vem de outras cidades”, falou o reitor da Federal de Goiás.

Caso a facada se concretize totalmente, depois de julho, a vida das universidades vai piorar bastante. Um apagão que pode levar a uma perda de cerébros, e desmotivar os que já estão lá.

Vale pontuar que do começo dos anos 2000 até 2014 havia um crescimento, inclusive no número de vagas. Segundo Úrsula Dias Peres, professora de Gestão de Políticas Públicas na USP e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole, em 2016, já houve uma mudança na estrutura, que condicionou o aumento do repasse ao teto de gastos, e de acordo com a inflação. Em 2019, os cortes se aprofundaram. Ela fala no mesmo podcast que o Madureira.

“Não se percebe o MEC fazendo esforço (para reverter a situação)”, lamenta a professora sobre o Ministério hoje sob batuta de Milton Ribeiro. Infelizmente, a pasta pouco ou nada melhorou depois da saída do sem educação Abraham Weintraub.

Você que tem conhecido perto de fazer um vestibular, um Enem, e tal, antes de sair por aí convencido desse discurso estereotipado de que universidade é comunista, só rola balbúrdia, mas, mesmo assim, é bom para o fulano, pois a faculdade dele é séria, cuidado.

Busque conhecimento, vá a uma pública da sua região se for o caso, e fique do lado certo da força. Se não, do jeito que a coisa anda, vai pagar caro por isso.


Os links para saber mais

- O Assunto #450: Asfixia das universidades federais

Diante do bloqueio de 18% do já minguado Orçamento de 2021 para o ensino superior, reitores alertam: se não houver algum socorro, a partir de julho as universidades federais não terão dinheiro nem para pagar as contas mais básicas.

https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2021/05/12/o-assunto-450-asfixia-das-universidades-federais.ghtml


- UFRJ é primeira brasileira em ranking mundial de pesquisa 

Leia mais: https://eurio.com.br/noticia/19438/ufrj-e-primeira-brasileira-em-ranking-mundial-de-pesquisa.html


Opa, se chegou até aqui, obrigado. Se der, curta, compartilhe, diga o que achou e tal. Se quiser, mando o próximo post no seu e-mail, tipo newsletter no braço, mesmo. Pelo menos, por enquanto.

A trilha sonora para a receita de hoje foi Rage Against The Machine, com show ao vivo The Battle Of México City. Bem bacana, ainda mais que fecha com uma das minhas músicas preferidas da banda.

É isso, abraço, e se cuida.

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