A pandemia acelerou os dilemas do cinema. Entrevista longa-metragem com Clayton Sales

 



Um ano de pandemia e a impressão é a de que o tempo passou como um filme. Daqueles bem arrastados, e, até o momento, com os vilões por cima. Uma negação. Sigo na esperança de haver uma continuação melhor. Para nosotros e para os apreciadores da sétima arte. Porém, a cada dia que passa parece que sentimos mais e mais a tragédia na película. Ops, na pele. Se achou o trocadilho ruim, talvez o outro seja tanto quanto.

E se o Assunto é Cinema. Aalas, trocadilho mais batido que reprise de tevê, “culpa” do entrevistado e responsável pela receita deste post: falei com o jornalista/professor/ radialista/músico, Clayton Sales. Uma das pessoas que mais manjam de imagem e som no Mato Grosso do Sul, com certeza.

Introdução bem amigável (pode pular)

Muito camarada de outro gente boa que sempre contribui com o DK: Marcelo Rezende, músico e jornalista. Passou da hora dele trocar outra ideia por aqui. A outra faz tempo, e era sobre lives 

Pô, o Clayton é outra figura que posso falar que conheço faz pelo menos uns vinte anos, dos tempos de faculdade, e gosta muito do que faz. Aliás, que bom, aos poucos parece virar marca registrada do nosso modesto, porém esforçado, blogue. Satisfação, mesmo.

Vamos ao que Interessa

Na entrevista por e-mail ao Drugstore Kishô, Clayton respondeu na quinta-feira (18) em menos de 24 horas e na maior boa vontade. As perguntas foram poucas, e as respostas extensas. Sem aqueles artifícios que esticam um filme modorrento por horas. Está mais para “versão do diretor”.

Deu seu ponto de vista de como a COVID-19 impactou o cinema, as salas de cinema, para as quais cita um cenário nada otimista a curto e médio prazo. Clayton ainda mandou uma real sobre o “inimigo” nada invisível das telonas: os serviços de streamings.

E, de quebra, mais ou menos como foi com a cineasta/jornalista Marinete Pinheiro, pedi para ele dar dicas de cinco filmes que tenha a ver com genocídio.

Fala aí, Clayton, desde quando você apresenta/produz/batalha no programa O Assunto é Cinema (na FM Educativa 104,7)?

“O Assunto é Cinema é um programa criado pelo saudoso Lizoel Costa há quase 20 anos. Já foi comandado por ele, pela Cláudia Zwarg e por mais gente que não me lembro agora. Com a saída da Cláudia, que se mudou para outro país, ele saiu do ar. Então, em 2015, ele foi lembrado e eu me prontifiquei a assumi-lo. Desde então, produzo, programo, escrevo e apresento o programa. Tem sido uma experiência bem proveitosa, pois quando faço um programa de rádio educativo, eu busco estudar bastante seu teor.

Com o Blues & Derivados sempre foi assim há quase 26 anos, com o Sala de Jazz idem. Tive que entender mais de cinema, estudar as escolas, os movimentos, entender a engrenagem de um filme, aprofundar em sua semiótica, tudo para acrescentar a crítica de filmes e depois de temporadas de séries, que comecei a fazer em 2017, eu acho. E as trilhas sonoras, é claro, um aspecto que sempre me fascinou. Como músico, já até compus temas para documentário acadêmico que concorreu em Gramado. É uma experiência e tanto, esse envolvimento mais profundo com o cinema, uma arte magnífica que combina perfeitamente com o rádio."

E, você tem ido ao cinema nesta pandemia? Se sim, ficou quanto tempo sem ir? Se voltou a ir, qual a sensação, já que teoricamente as salas de exibição estão mais vazias?

“Desde que os cinemas reabriram em Campo Grande, devo ter ido umas seis vezes. Isso aconteceu acho que em setembro de 2020. Como a última vez que fui ao cinema antes da pandemia foi em março de 2020, fiquei uns 6 meses sem ir. Quando voltei, confesso que senti uma certa apreensão, mas depois me senti relativamente seguro. É que como os cinemas da cidade são dentro de shoppings, que são estabelecimentos que adotaram medidas de biossegurança e parece que as tem seguido à risca, isso dá uma tranquilidade. E para entrar no cinema, há outras medidas também.

Como vou geralmente ao UCI, que é o mais vazio de todos, em todas as sessões que fui havia pouquíssima gente.


Quando vi "Tenet", o maior público que testemunhei, devia ter umas 15 pessoas. Usei máscara o tempo todo. Como é um cinema bem grande que dificilmente lotava, não foi tão estranho ver pouca gente na sala. E como eu costumo sentar mais afastado das pessoas, isso me dava uma certa tranquilidade. Em nenhuma dessas sessões durante a pandemia eu fui acompanhado.

Geralmente, eu ia ao cinema sozinho, hábito que tenho. E assim continuou. Bom, eu não peguei a doença até agora, imagino que os protocolos adotados pelo cinema funcionam. Assisti aos filmes mais por causa do trabalho de crítica que faço no meu programa de rádio. No momento, dei um tempo nas idas ao cinema.


Praticamente um ano de pandemia, você acha que o cinema nos principais centros está em qual patamar em relação ao que era até no início de 2020? E o Brasil?

“Imagino que tenha havido um prejuízo sem precedentes. Principalmente se considerarmos que uma fonte de dinheiro abundante para as empresas exibidoras são os filmes blockbusters (superproduções com grande potencial de altas bilheterias) e praticamente todos eles tiveram lançamentos nos cinemas adiados, cancelados ou foram para os streamings. O baque deve ter sido violento como nunca, funcionários de bilheterias, das bombonieres, das salas, projetores devem ter perdido o emprego.

Tenho dúvidas sobre a permanência de algumas salas de cinemas em Campo Grande, o que seria lamentável se acontecesse. Não deve ter sido diferente nos grandes centros. 

É um panorama sombrio, principalmente se levarmos em conta que a esperança de começarmos a trilhar para alguma normalidade ainda neste ano se esvazia cada vez mais com o ritmo lento da vacinação no país. A curto prazo, vai ser complicado para os cinemas do país. A médio prazo, fim do ano, depende do avanço da vacinação. A longo prazo, será hora de medir o impacto da explosão dos streamings no futuro dos cinemas.


Clayton, neste ano que passou, as plataformas como Netflix, Amazon, agora a Disney Plus, ganharam muita força, muito devido ás restrições quantos a ir aos cinemas. Alguns acreditam que o fenômeno será irreversível e o conforto de assistir em casa, aliado a um bom equipamento multimídia, vai decretar o fim das salas de cinema. Você concorda? Por quê?

Concordo em parte. Penso que o público consumidor, com poder aquisitivo, ainda é o que encara o cinema como uma experiência que não envolve apenas ver o filme, principalmente se levarmos em conta o preço dos ingressos, somado aos do estacionamento e dos alimentos consumidos.

Para essa geração, cinema é uma experiência familiar e social, que ainda vale pagar, especialmente as classes médias. Então, quando a situação chegar a alguma normalidade próxima do pré-pandemia, essas pessoas, suponho, ainda vão querer ir aos cinemas, mesmo que aos poucos e ainda sob as sequelas psicológicas de tudo que a pandemia trouxe. Resta saber quanto tempo isso vai demorar e se os cinemas vão sobreviver até lá.

Em Campo Grande, os cinemas pertencem a grandes redes nacionais e internacionais, talvez com algum capital para se manter, mas isso pode não durar muito. É uma corrida contra o tempo. Penso que o controle da doença e o tempo até que seja alcançado serão determinantes para o futuro dos cinemas.

Ocorre que esse crescimento dos streamings já vinha acontecendo antes da pandemia, principalmente porque as gerações mais jovens tem uma cultura digital que envolve a preferência por eles.

Acho que a pandemia pode ter transformado algo que eu imaginava acontecer a longo prazo, uma década ou duas talvez, em algo de médio prazo: a obsolescência das salas de cinemas como as conhecemos. 

Não creio no fim delas, mas imagino uma ressignificação total da experiência de ir ao cinema. A questão é como as produtoras e distribuidoras agirão. Valerá a pena jogar os lançamentos em salas? Ou os streamings serão o destino dos filmes que acabarem de sair do forno? No Brasil, a baixa qualidade da internet pode ser um desafio para a consolidação dos streamings, mas é difícil imaginar que as operadoras não tentarão resolver isso, para o bem dos lucros. E o 5G, mais cedo ou mais tarde, vem aí, chinês, americano, europeu, de onde for. O 6G também vem. A fibra óptica já está se estabelecendo.

Creio que as empresas exibidoras terão que repensar completamente o tipo de serviço que oferecerão a esse novo público digital. Chegará a hora de eles se tornarem espaços multi-atrativos, ou seja, agregando filmes, shows, eventos, outros produtos fora do âmbito do cinema? A pandemia provavelmente acelerou em anos a necessidade desse tipo de reflexão.


Sobre 5 dicas de filmes sobre genocídio, Clayton diz

É impossível não lembrar das obras sobre o holocausto nazista. São muitos filmes, mas vou no "óbvio", o maravilhoso "A Lista de Schindler" de Spielberg. Desde a narrativa centrada em um empresário alemão que tenta e consegue salvar as vidas de muitos judeus, habilmente construída, com atuações profundas, até a estética em preto-e-branco e momentos pontuais de uma "leveza" colorida que acaba arrastados para a vala da morte (a cena da menina do vestido vermelho), tudo nele é brilhante e tocante. 


Pra não ficar só no genocídio nazista, que tem muitas obras, lembro de "Hotel Ruanda", baseado na história de uma espécie de Oscar Schindler de Ruanda, na África, que ajudou a salvar mais 1.000 pessoas das etnias Tutsies e Hutus do tristemente famoso Genocídio de Ruanda, que matou mais de um milhão de seres humanos. 




Tem também "Os Gritos do Silêncio", um filme cuja trama é ambientada no Camboja dos anos 1970 sob o governo autoritário de Pol Pot, sobre um jornalista americano que tenta encontrar um amigo cambojano que foi parar num dos campos de extermínio do país. 


Há documentários também, como "The Look of Silence", sobre o genocídio na Indonésia nos anos 1960,



E "Holocausto Brasileiro", produzido pela HBO, baseado no livro-reportagem de Daniela Arbex, que é codiretora do filme, sobre um hospital psiquiátrico em Barbacena (MG), no qual morreram cerca de 60 mil pessoas durante o período de seu funcionamento. São os que consigo me lembrar.



Dicas do DK para (não) desopilar

Ah, olha só, O ASSUNTO É CINEMA, vai ao ar às terças e quintas-feiras, às 11h (de Mato Grosso do Sul), pela Rádio Educativa 104,7 FM, www.portaldaeducativa.ms.gov.br e aplicativos de rádio para celular. 

- Essa copiei do tweet do jornalista Álvaro Pereira Júnior que escreveu: “A editora-chefe da "Teen Vogue" se demite por causa de tuítes antiasiáticos de qdo tinha 17 anos. É a isso que a teoria crítica racial e o identitarismo estão levando: uma guerra de todos contra todos, em que se exigem graus inatingíveis de pureza.”

O comentário é em cima dessa matéria da CNBC, cujo link vai a seguir. Muito pertinente para os dias de hoje o os que virão

https://www.cnbc.com/2021/03/18/teen-vogue-editor-in-chief-alexi-mccammond-resigns-over-old-tweet-firestorm.html

É isso, já deu, encerro por aqui enquanto escuto uma playlist no Spotify que não conhecia, mas é quiçá interessante para quem gosta de um rock metal. Chama Porradas Pra Treinar (interessante, né). Tem umas bandas que jamais ouvi falar como Rise and Fall, Swamps, Cruel Hand – nomes de bandas pesadas são um universo à parte – e Limp Bizkit (única que conheço até agora)

Espero que tenham gostado. Qualquer coisa, curte, compartilhe, diga o que achou. Infelizmente, não tem como compartilhar o link no Facebook (juro, não vou contar o imbróglio pela décima vez).

Se quiser apoiar de alguma forma o Drugstore Kishô, agradeço pacas. Também estou no twitter (@KishoShakihama), linkedin e afins.

Abraço, se cuide, e, por favor, máscara.


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